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Como escrevo?
Javier Sologuren

"O processo de criação poética se me apresenta como uma tensão anímica que me reclama, para reduzir-se ou descarregar-se totalmente, sua criatalização na palavra. A risco de repetir-me uma vez mais, transcrevo a resposta dada, precisamente a José Koser, na ocasião de uma entrevista que ele me fez em 1983: 'Muito me interessa - disse-me Koser - que fales um pouco de teu sistema poético em geral e de tua busca de uma espiritualidade cabal e ampla, que sirva de alça em um mundo buliçoso e materializado'. Esta foi a minha resposta: 'Tais afirmações não são indícios de um sistema poético que, ao menos em um nível consciente, carece de existência. Provêm, ao contrário. de um sentimento que se foi sedimentando paulatinamente. O sedimento de muitas e plurais experiências nas quais, longo tempo depois de havê-las vivido, remexi como quem lê nas cinzas. Porém, embora não obedeçam a um sistema prévio, manifestam um obstinado esforço de edificação pelo verbo de um mundo - qualquer que seja seu alcance -, onde achar meu espaço próprio e livre, e minha verdadeira identidade. Meus poemas são, aspiram a ser, certamente, essa alça de que falas... Quando a poesia está por suscitar-se em mim, experimento um complexo de sensações muito próximas à manifestação de um mal-estar. Algo que gravita com excesso sobre mim, que me pertuba e exige, para recobrar minha rotineira normalidade (habitualidade), ser de algum modo expressado. Talvez por isto, ao concluir um poema a impressão imediata seja de alívio, à margem da impressão de êxito ou fracasso que dito texto posterioremente me cause. Não acudo a fatores externos como condicionantes da 'inspiração', exceto, às vezes, a música. Vibro de mim mesmo".

Fonte: MARTINS, Floriano. Escritura conquistada: diálogos com poetas latino-americanos. Fortaleza: Letra & Música Comunicação Ltda. 1998.

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