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Jornalismo
Fernando Marques

"A relação entre jornalismo e literatura é tradicional no Brasil e nos países que mais nos influenciaram, como Portugal e França.Razões evidentes ligam as duas atividades: a da sobrevivência, quando o escritor a financia a si próprio com o trabalho jornalístico, e a da vocação, dado que o ato de escrever relaciona ambas as funções. Cada uma delas corresponde, no entanto, a um tipo diverso de escrita e de atitude mental. Mas, ao lembrarmos que Machado de Assis e Nelson Rodrigues, entre tantos outros grandes autores, dividiram-se entre literatura e jornalismo, é preciso perceber que noutros tempos, mais do que nos atuais, a imprensa veiculava literatura – não apenas crônicas, mas também romances (os folhetins, isto é, histórias seriadas) e poesia. Hoje, o autor, jornalista ou não, que consegue publicar literatura na imprensa será exceção... Comecei a escrever em jornal em 1988, críticas teatrais no extinto semanário José. Desde sempre, minha área foi a cultural, e confesso a você que escrever sobre teatro, literatura e música era também uma forma me manter perto dessas artes, nas quais atuo de algum modo. Seja como for, sempre gostei do trabalho jornalístico. Ocorre que o jornalismo, com a possibilidade que nos dá de pagar as contas e com a efêmera notoriedade que oferece a repórteres e críticos, acaba por nos subornar. Dedicamos muito tempo e energia à obra alheia e, com isso, corremos o risco de não escrever a nossa própria. Além do mais, o jornalismo exige o exercício da inteligência lógica, a que distingue os críticos: trata-se de analisar, definir, agrupar, escolher. Já a literatura, sem deixar de demandar destreza lógica, trabalha sobretudo com a inteligência analógica, a que distingue os poetas. Existe o risco de o jornalista esterilizar o escritor... O jornalismo, assim como a magistério, pode manter as contas do escritor em dia. Mas o preço, em tempo e energia, como comentei acima, pode ser alto. Enfim, pode ajudar no aspecto financeiro e também, o que se mostra importante, no que toca à participação cotidiana (ao se publicarem resenhas, por exemplo) na vida intelectual da cidade. Mas o escritor, isto é, o lado escritor, que pede liberdade para o exercício da imaginação, do humor, do pensamento metafórico, talvez saia perdendo na parceria".

Fonte: ANDRADE, Marcela Heitor. Jornalistas podem ser escritores: 21 entrevistas brasilienses. Monografia apresentada à Faculdade de Comunicação da UnB como requisito para a graduação em Comunicação Social. Brasilia: UnB, 2008.

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