“O que vem gerando certa confusão entre artes tão diferentes, do nascedouro à execução, é o fato de que têm sido levados ao cinema romances famosos. Não se filma um romance, é preciso que se diga. O que se faz no cinema é passar para o filme a história de um romance, que é apenas um de seus elementos, para alguns o menos importante deles. Aliás seria o certo dizer, por exemplo, Joaquim Pedro de Andrade fez um filme inspirado no Macunaíma e não filmou o Macunaíma. Filmar o Macunaíma seria absurdo, contrário à lógica e à inteligência. O Macunaíma que se vê na tela é o de Joaquim Pedro e nunca o de Mário. Embora o filme possa lembrar mais ou menos, conforme a intenção e capacidade do seu diretor, o romance em que ele se inspirou. Quanto mais hábil e complexo for o cineasta, melhor será o seu trabalho, mais se aproximará do modelo escolhido. Se o cineasta, além do parentesco espiritual com o escritor, tiver um conhecimento e habilidade artesanais na  sua linguagem tão grandes como o escritor na dele, maior será a possibilidade de fazer uma obra que se compare ao romance que lhe serviu de tema. Daí porque, se o escritor domina melhor o seu instrumento do que o cineasta o dele, é difícil da união sair uma obra de qualidade. A recíproca é verdadeira até certo ponto, como se verá. Porque de um romance medíocre um cineasta pode tirar um bom filme. Acredito ser essa a razão pela qual romances geniais dão péssimos filmes e histórias fracas, filmes geniais. Quanto mais pressa e dependente da linguagem estiver uma obra romanesca, mais difícil será a sua execução cinematográfica. A filmagem de escritores como Guimarães Rosa e Clarice Lispector, por exemplo, é um ato temerário. Para nós, um tanto radicais em arte, o romance só é possível na sua forma e linguagem próprias, que se alcança através das palavras”.

Fonte: DOURADO, Autran. Uma poética de romance; matéria de carpintaria. R. Janeiro: Rocco,  2000, p. 112