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Romance inédito

        Primavera dos mortos

                                                 Jorge Fernando dos Santos

                                         Parte 3

                                  Capítulo 27 - Siá Zizinha

LEÔNCIO E Gláucia Maria se gostavam de verdade e ninguém tinha o direito de torná-los mais infelizes do que já eram. Por isso consenti que os dois se amassem, desde que mantivessem a discrição e nos poupassem do escândalo

Se eu soubesse o que descobri depois de casada, teria ouvido os conselhos de minha mãe e entrado para um convento quando ainda era moça. Talvez entre as filhas de Maria eu estivesse protegia das teias do destino.

Tudo aconteceu muito depressa. Meu pai costumava dizer que eu corria o risco de ficar para tia, mas não cogitei que ele pudesse me obrigar a casar. Sequer eu pensava em namorar, pois nunca me senti atraída por homem algum.

Sentia apenas amizade pelo primo Ascânio e padre Wenceslau, nos quais depositava total confiança, como se fossem meus irmãos.

Se eu fiz sala pro Leôncio quando ele apareceu em nossa casa pela primeira vez, isso aconteceu por insistência do meu pai, de cujos caprichos eu me tornei prisioneira.

Seu Arlindo, que Deus o tenha, pertencia a uma geração de homens para a qual as filhas representavam uma espécie de moeda de troca. O casamento, muitas vezes, era apenas uma forma de aumentar as posses e o poder político da família.

No meu caso, ele até que foi pouco ambicioso. Quis apenas ter um neto, que mal chegou a conhecer e sobre o qual recairia o peso de seus pecados.

Por tudo isso, não seria justo negar à minha irmã o direito ao amor que lhe fora roubado pela ignorância de nosso pai. Leôncio também não havia feito nada para merecer tamanho castigo.

Ele até que havia se esforçado para aceitar os desígnios de Deus. Mas era um homem fogoso na cama e eu, sinceramente, me deitava com ele apenas para cumprir as sagradas obrigações do matrimônio. Depois do nascimento do nosso filho, percebi que seria loucura levar adiante a farsa de nossa união.

Com a morte do meu pai, deixamos a fazenda e nos mudamos para a casa onde minha irmã continuaria morando. Muitas vezes, à noite, Leôncio saía do nosso quarto na ponta dos pés para ir se deitar com ela. Quando a insônia me assaltava, eu podia ouvir os gemidos no silêncio da madrugada.

Só me angustiava a idéia de que mamãe pudesse desconfiar de alguma coisa. Isso certamente lhe aumentaria o sofrimento. Mas ela já estava muito debilitada e acho que nem percebia direito o que se passava à sua volta.

Leôncio administrava os negócios da família e era forçado a permanecer mais tempo na fazenda do que poderia desejar. Até a morte de seu pai, ocorrida há dois meses, costumava também ir a Itabira para visitá-lo.

 

Sua única distração na vida era a rinha de galos que funcionava clandestinamente no bairro dos pretos, na outra margem do Ribeirão das Mortes. Sempre que dispunha de algum tempo, ele atravessava a ponte para fazer uma aposta.

Gláucia Maria me ajudava a cuidar de nossa mãe e também de Hilário. Com o passar dos anos, ele se apegaria mais a ela do que a mim. Impedida de ter filhos devido às circunstâncias, ela o enchia de mimos e fazia todas as suas vontades, dando vazão ao instinto maternal.

Ela se alojou no barracão que Leôncio mandara construir nos fundos de nossa casa e, desde então, passava muito tempo em companhia do sobrinho. Isso me permitia dedicar mais atenção à nossa mãe, que sempre fora mais apegada a mim, embora nem eu mesma soubesse o motivo desse apego.

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Próximo capítulo: 28 - Ascânio Benevides - 18/01/2009

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