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Psicanálise
Anne Sexton

“Às vezes meus médicos dizem que eu compreendo certas coisas nos poemas que ainda não integrei em minha vida. De fato, posso estar escondendo algo de mim mesma que revelo aos leitores. Com frequência a poesia é mais avançada, no meu inconsciente, do que eu sou. Afinal, a poesia bebe no inconsciente. O inconsciente está ali para alimentá-la com pequenas imagens, pequenos símbolos, com respostas e intuições que desconheço. Na terapia, algumas vezes tenta-se esconder coisas. Vou lhe dar um exemplo um tanto íntimo dessa situação. Cerca de três ou quatro anos atrás, meu analista me perguntou o que eu pensava, quando jovem, de meus pais terem relações sexuais. Não consegui falar. De repente percebi que havia um poema ali, e o guardei para mim de maneira egoísta. Dias mais tarde, escrevi um poema intitulado ‘In the beach house’, que descreve a cena primal sendo ouvida inadvertidamente. Nele, eu digo: ‘Por trás das barras de madeira da cama, dentro da minha prisão, acima de minha janela, por trás de minha porta , é certo que eles estão entregues a um açoitamento régio’. O centro dessa historinha é a imagem. ‘açoitamento régio’. Meu analista ficou bastante impressionado com essa imagem, e eu também, embora não me lembre de ter ido além na ocasião. Há três semanas, ele me perguntou: ‘Você foi  surrada na infância?’ Respondi que sim, por volta dos nove anos. Rasguei uma nota de cinco dólares que meu pai dera à minha irmã; ele me levou para seu quarto, fez-me deitar na sua cama, abaixou minhas calcinhas e me bateu com um chicote de montaria. Quando relatei ao médico esse episódio, ele falou: ‘Veja, isto foi de fato um açoitamento régio’, revelando-me, desse modo, através da imagem que eu criara, a intensidade daquele momento, a sexualidade daquela surra, o pequeno prazer masoquista daquele apresamento – é algo tão clássico que chega a ser brutal, mas afinal tanto a poesia quanto a terapia são coisas íntimas.

-Seus poemas continuam a ter estreita relação com a terapia, como no passado?

Não, a terapia foi um assunto preliminar - o processo mesmo, como em ‘Said the poet to the analyst’, as pessoas de meu passado, reconhecer como eram realmente meus pais, toda a história da Nova Inglaterra gótica. Dos oito médicos que me assistiram, somente dois contam. Para cada um desses dois escrevi um poema – ‘You Dr. Martin’ e ‘Cripples and other stories’. E isso basta. Esses poemas falam sobre os dois homens e sobre o estranho processo. Pode-se dizer que meus novos poemas, os poemas de amor, surgem como resultado de novas atitudes, uma percepção do que é possivelmente bom e do que é possivelmente ruim. Inerente ao processo está um renascimento do sentido do self, que a cada vez despe um self já morto”.    

Fonte: Escritoras e a arte da escrita: entrevistas da Paris Review. R.Janeiro: Gryphus, 2001.

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