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Direto da fonte

 

Ano 90        29 de Julho de 2008        nº 28.756

 

                        

Mistérios da criação

por Marcio Renato dos Santos

Série de cinco livros organizada por José Domingos de Brito compila opiniões de escritores sobre a arte de escrever, o jornalismo, o cinema e a política

"Por que você escreve?" Essa pergunta é recorrente em entrevistas com escritores. Há inclusive, autores que se irritam e não respondem. Apesar das muitas respostas para a mesma dúvida, a curiosidade - sobre o porquê de um escritor escrever - parece não se esgotar. O poeta português Fernando Pessoa disse que escreve "para salvar a alma". O colombiano Gabriel Garcia Márquez insinuou que é "para que meus amigos me amem mais". O norte-americano William Faulkner se revelou pragmático e irônico: "Para ganhar a vida". As respostas, naturalmente, variam e, em alguns casos, ao invés de revelar os motivos, emitem falsas respostas.

       O pernambucano José Domingos de Brito, de 57 anos, radicado em São Paulo desde 1964, coleciona entrevistas de escritores há duas décadas. Na sua biblioteca particular, com 2 mil livros, há centenas de obras com depoimentos de autores, além de recortes de jornais e revistas.

       O que era um hobby deu origem a série Mistérios da Criação Literária. Impressos, já são cinco livros: Por que escrevo? Como escrevo?, Literatura e jornalismo, Literatura e cinema e Literatura e política. As obras saem com o selo da editora Novera e patrocínio da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo.

       "São livros de referência", define Brito. E, de fato, cada um dos títulos traz depoimentos de inúmeros autores sobre os temas propostos, do motor criativo às conexões da arte com a política. Mas a literatura está sempre no centro das discussões.

       "Até porque a literatura é a mãe de todas as artes. O cinema veio da literatura. O teatro também. No início era o verbo. Depois veio a literatura", teoriza. Brito faz questão de salientar que a série, comercializada e distribuida em bibliotecas públicas paulistas, não é para "se ler numa sentada", mas obras para consulta e pesquisa. E, a respeito de sua missão de garimpador de frases, ele se vale de uma outra frase, do crítico Fábio Lucas: "Sou um coleconador contumaz da sabedoria alheia".

Porta e portal literário

A "brincadeira", como Brito se refere à sua curiosidade sobre os mistérios da criação literária, teve desdobramentos on-line. Além dos cinco livros, o projeto - patrocinado pelo governo paulista - incluiu a criação do site www.tirodeletra.com.br, que oferece ao leitor o conteúdo das obras impressas e muito mais. Há outros livros digitais, similares, que trazem depoimentos de autores sobre as relações da literatura com religião, psicanálise, música, filosofia e história. "Por enquanto, o site é uma porta de entrada para a literatura. Mas a idéia é que se torne um portal literário, diz.

       Brito convida os leitores, e os internautas, para não apenas para navegar, mas também para enviar eventuais declarações de escritores sobre quaisquer assuntos. "Há, inclusive, uma seção no site, o ComVerso Com, em que disponibilizo depoimentos de escritores falando de escritores. É uma 'ciumeira' só. Mas vale pela curiosidade", conta. E, por falar em curiosidade, qual seria o público desse projeto? Brito, de pronto, responde: "Sobretudo escritores. De estreantes a consagrados. O sujeito que escreve tem curiosidade em saber o que o colega de ofício pensa sobre esses mistérios literários".

       Questionado se há alguma resposta comum entre autores sobre um mesmo assunto, Brito cita  dois depoimentos seguidos, presentes no livro Como escrevo?. Carlos Drimmond de Andrade se dizia "inteiramente partidário da idéia da inspiração". Carlos Fuentes tem opinião totalmente oposta: "Não creio na inspiração, é uma palavra que detesto".

       Como se constata, não há consenso entre os escritores. É aquilo: 'cada cabeça uma sentença' E é essa diversidade que dá beleza ao que se chama literatura", diz.

Mentirosos

Brito, a exemplo do escritor argentino Jorge Luis Borges, passou grande parte da vida entre livros. Bibliotecário, o organizador da coleção Mistérios da Criaçâo Literária, se considera apenas pesquisador. "Não tenho esse dom (de escritor). A literatura fica para os mentirosos, que são os escritores. Ninguém mais mentiroso do que um escritor", define.

       Brito, que ainda pretende se embrenhar pelas veredas do memorialismo, diz que, por hora, quer mesmo é seguir a pesquisar os mistérios desses seres inventivos, "mentirosos" - na opinião dele, e necessários que são os escritores. Afinal, por mais que os autores respondam, sempre é possível perguntar a um escritor: Por que você escreve?

Don Dellilo

"Eu me tornei um escritor vivendo em Nova York e olhando. escutando e sentindo todas as grandes, espantosas e perigosas coisas que a cidade acumula incessantemente. Também virei um escritor evitando ter comprometimentos sérios".

Paul Auster

"A gente precisa se perguntar e se expor no que escreve. Tem de ir ao céu ou ao inferno, doa a quem doer. A diferença é que ao escrever literatura você está sozinho. E ao escrever um filme participa de uma equipe. A individualidade é muito mais forte".

Valêncio Xavier

"Eu gostava de Monteiro Lobato e aquelas histórias ilustradas. Peguei gosto pelas histórias de Lobato. Um fator que me ajudou muito foi quando eu, ainda menino, estudava no Colégio São Bento, em São Paulo, e tinha que fazer redações de 25 linhas. Os padres exigiam histórias de 25 linhas, nem mais nem menos. Isto me ajudou a disciplinar o hábito de escreve".

Philip Roth

"Começar um livro é desagradável. Fico completamente indeciso quanto ao personagem e sua situação, e é com um personagem em determinada situação que tenho de começar. Pior do que não conhecer o assunto é não saber como tratá-lo, porque, definitivamente, isso é tudo".

Manoel de Barros

"Minha relação com as palavras é orgiástica. Escrevo porque preciso ter relações com elas para viver em paz. Depois que uso uma palavra nova, ela me beija. Quer dizer que gostou de mim. Eu sou de bem com as palavras que uso porque elas me são".

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Marcio Renato dos Santos

nasceu no dia 28 de abril de 1974 em Curitiba (PR), onde vive. Jornalista e Mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná. A coletânea de contos Minda-Au, publicada pela Record, em 2011 é sua estréia na ficção.


 

Ano 97        6 de março de 2015        nº 31.306

               

                   Boa literatura tem que soar

                     como a boa música

Helena Carnieri

Uma ideia na cabeça, zilhões de autores na cabeceira e uma disposição anormal já levaram o bibliotecário José Domingos de Brito a publicar seis volumes de sua coleção Mistérios da Criação Literária. Em livros anteriores, ele já abordou a forma como os escritores trabalham e suas motivações, e ainda noções de jornalismo, ciências e política.

Agora, traz ao público pela editora Tiro de Letra Literatura e Música. Trata-se de uma coleção de citações de autores clássicos ou desconhecidos que tiveram, em maior ou menor grau, alguma relação com a sonoridade e os ritmos em seus escritos. Abaixo de cada uma, acrescenta uma curta biografia.

Leia abaixo a entrevista concedida pelo organizador à Gazeta do Povo:

Como começou seu projeto de organizar citações literárias?

Comecei reunindo as respostas à pergunta “Por que escrever?” em fins da década de 1980. Em 1999 lancei o primeiro volume da obra Mistérios da Criação Literária, intitulado Por Que Escrevo? O livro interessou o Valêncio Xavier [1933-2008], que me entrevistou e publicou reportagem sobre o livro no Caderno G de 30 de janeiro de 2000.

Como conseguiu lançar todos os volumes?

Em 2006, lancei o segundo volume, Por Que Escrevo, junto com uma reedição do primeiro. Em 2008, lancei os cinco volumes, com patrocínio da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo.

Como surgiu a ideia para este volume, sobre a música na literatura?

Surgiu a partir da afirmação e reiteração de João Cabral de Melo Neto, dizendo que não gostava de música. Fiquei impressionado com o poeta de Morte e Vida Severina, um poema depois musicado por Chico Buarque, não gostar de música...

Quais escritores o senhor destacaria entre tantos citados como tendo uma literatura influenciada pela música?

São muitos os escritores influenciados pela música. Entre os estrangeiros, temos Alejo Carpentier, Anthony Burgess, José Saramabo, Octavio Paz etc. Entre os brasileiros, Chico Buarque, Arnaldo Antunes, Drummond, Érico Veríssimo, Guimarães Rosa, Haroldo de Campos, Mario de Andrade e tantos outros.

Como o senhor descreveria a importância da sonoridade, do ritmo, enfim da musicalidade na literatura?

Segundo os especialistas (citados no livro) sem sonoridade, ritmo, musicalidade não se faz uma boa literatura. Há, inclusive, quem diga que a boa literatura se parece, ou melhor, soa como a boa música. São linguagens diferentes para um mesmo fenômeno, o da comunicação. Da boa comunicação.

Qual será o próximo volume?

O próximo será sobre outro filhote da literatura, a psicanálise (os outros filhos são o jornalismo e o cinema).

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A revista mais completa do Brrasil

http://www.domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=5057 (8/5/2015)

  Os caminhos da literatura

Música e literatura sempre andaram juntas, desde a antiguidade

“Mistérios da Criação Literária” é uma série de livros publicada por conta própria pelo bibliotecário e bibliófilo paulista José Domingos de Brito (Ed. Tiro de Letra). Depois dos volumes “Por que escrevo?”, “Como escrevo?”, “Literatura e Jornalismo”, “Literatura e Cinema”, “Literatura e Política”, ele acaba de publicar “Literatura e Música”.

Cada volume reúne depoimentos de escritores nacionais e internacionais, a maioria consagrada, sobre os temas propostos pelo autor. Além das edições em papel, a coleção está disponível gratuitamente no site www.tirodeletra.com.br, no qual Brito mantém diversos outros links, todos eles relacionados à criação literária.

Na orelha do novo volume, o jornalista e escritor Bernardo Ajzenberg salienta que “música e literatura têm em comum o atributo e a generosidade de fazer com que o próprio ouvinte e o próprio leitor construam em suas mentes o universo induzido a eles pela mestria dos escritores e dos compositores. (...) Eis a magia tão própria dessas artes”.

Outros autores que apresentam o livro com grandes elogios são Fábio Lucas, Luiz Antonio de Assis Brasil e Marcelo Moraes Caetano. Cada um deles destaca as particularidades do trabalho de Brito e a importância desse tipo de empreitada em prol das Letras universais.

O ritmo e a escrita 

No posfácio que me foi solicitado, escrevi que música e literatura sempre andaram juntas, desde a antiguidade. Lembro que o ritmo é parte integrante da escrita, mesmo quando não se trata propriamente de um texto poético. Enquanto isso, ao longo da História, a poesia se fez presente na ópera, nos jograis e na canção popular, cobrindo de redondilhas os acordes musicais de grandes e pequenos compositores.

Do envolvimento de escritores com a música e de músicos com a literatura, cito nomes como Schiller, Federico García Lorca, Fernando Pessoa, Paul Bowles, Ralph Ellison, Ferreira Gullar, Vinicius de Moraes, Chico Buarque, Aldir Blanc e Paulo César Pinheiro, muitos deles em destaque no livro.

A dedicação de Brito à literatura e ao intricado universo literário é algo notável. Trabalhando incansavelmente e de forma independente – já que as editoras raramente se interessam por esse tipo de tema –, ele certamente presta uma importante contribuição ao estudo das Letras em aspectos raramente abordados

Longe do tom acadêmico muitas vezes pernóstico, o autor desvenda os bastidores da criação literária de maneira inteligente, registrando os resultados de uma extensa pesquisa sobre o tema de cada um dos livros da coleção. Os interessados podem adquirir suas publicações no site citado ao longo dessa matéria.

Jorge Fernando dos Santos Jornalista, escritor e compositor, tem 40 livros

publicados. Entre eles o premiado romance Palmeira Seca (Atual Editora) e os recém-lançados Alguém tem que ficar no gol (Edições SM) e Cordel da bola que rola - A história e as lendas do futebol (Paulus Editora). 

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Literatura e música

http://oglobo.globo.com/blogs/literatura/

1/07/2015
                                                                                            José Castello


          Recebo um exemplar de "Literatura e música" (Tiro de Letra, com organização de José Domingos de Brito), sexto volume da coleção "Mistérios da criação literária". A série já tratou das relações da literatura com o cinema, a política e o jornalismo. Já tentou responder, ainda, a duas perguntas recorrentes, mas fundamentais para qualquer escritor: "por que escrevo?" e "como escrevo?". Agora propõe-se a pensar os vínculos entre a música e a literatura. Mais para a frente, pretende, ainda, refletir a respeito de outras relações difíceis, como as que ligam a literatura à psicanálise, à religião, à filosofia e ao direito.

      A fórmula é simples: cada volume reúne uma série dispersa de declarações de grandes escritores a respeito do tema proposto. No volume sexto, encontro, inclusive, uma brevíssima reflexão que fiz sobre os vínculos entre meu romance "Ribamar", de 2010, e a partitura de uma canção de ninar. Mas não é isso o que importa aqui. Uma leitura atenta dos depoimentos esbarra em elos imprevistos, que ajudam a iluminar não só o fazer literário, mas a produção musical. Que espalham luz sobre alguns dos mais delicados segredos da criação artística. "A minha forma de escrever é muito ligada ao fato de eu ouvir muita música", admite, sem vacilar, o poeta Armando Freitas Filho. "A primeira coisa que eu quis ser, aos seis anos, era maestro. Então, acho que escrevo com uma batuta, com variações". Em geral associamos a literatura ao silêncio. Ao exercício recluso da leitura secreta e introspectiva. Surge agora, porém, uma segunda associação, não com os ruídos, ou com a zoeira, mas com a delicadeza da música. Sem que se deixe perceber, a música está presente na experiência criativa de alguns dos melhores escritores que conhecemos.

          "Se alguma vez os efeitos de uma sinfonia foram trazidos para um livro, o livro será este", escreveu Gustave Flaubert, referindo-se ao capítulo VII da segunda parte de "Madame Bovary". Uma prosa que se alarga sobre uma estrutura musical. Também o português Antonio Lobo Antunes reclama do desprezo que, em geral, se dá às relações entre seu romance "A morte de Carlos Gardel" e a "Quinta Sinfonia" de Gustav Mahler. "A estrutura de meus romances é sempre musical. Infelizmente, a crítica literária quase não dá atenção a isso". Músicas distintas "tocam" no interior de alguns dos mais apaixonantes romances que conhecemos. É preciso aprender a ouvir.

          Nem sempre conseguimos."Acho que escrevo livros como faço música. Tenho música na cabeça o tempo todo", declara Chico Buarque, um autor em quem, por conta de sua dupla condição, de escritor e de músico, esse vínculo se realça. Acontece que ele não se dá como, a princípio, podemos imaginar. Na criação literária, as coisas não são tão simples. Enfatiza Chico que, quando escreve, nunca ouve música, porque isso o atrapalha. A música está presente de outra maneira: "Quando eu escrevo, acho que tem música no fundo de minha cabeça", diz. "Eu leio, releio, mas logo está errado, esse algo errado tem a ver com o sentido musical, o ritmo da frase". A música não está fora, mas dentro. Não está ali para decorar o trabalho do escritor, ou para distraí-lo, mas para sustentá-lo.

          O americano Jack Kerouac, por exemplo, sentia-se influenciado pela estrutura do jazz e do bop. "É assim que eu separo minhas frases, como se fossem pautas mentais para respirar". Criou, desse modo, uma "teoria da respiração", que nada mais é do que a presença de certo ritmo, certa batida, no coração de sua escrita. Ainda mais radical, Marcelino Freire _ um escritor conhecido por interpretar seus próprios textos nos palcos _ se arrisca a afirmar: "O que eu escrevo, na verdade, é música. Escrevo ritmado, cheio de som, de ritmo". Ao interpretar seus textos, é esse ritmo secreto que, em sua voz, se revela.

          Existem sempre paralelos a fisgar entre a partitura e a escritura. Mesmo nas mentes mais silenciosas e nos personagens mais discretos, a música parece agir, secretamente, todo o tempo. Esses vínculos acabam por influir na performance do escritor. Mesmo um ficcionista tímido e quieto como João Gilberto Noll não se esquiva de admitir: "Como minha ficção está sendo cada vez mais arrastada por ritmos musicais, tenho gostado de apresentar o trabalho oralmente". Mais uma vez _ como no caso anterior de Marcelino Freire _ a música serve como impulso para que o escritor assuma publicamente a própria palavra.Ou, como afirma Augusto de Campos: "A música é para mim uma nutrição do impulso indispensável".

          O filósofo Voltaire sintetizou a relação entre literatura e música em um princípio simples, mas forte: "É tão impossível traduzir a poesia como é traduzir a música". Os escritores _ em especial aqueles que praticam as duas artes _ não traçam ordens de valor entre elas. Vinicius de Moraes, de quem a família dizia ter cantado antes de falar, afirma: "Não separo a poesia que está nos livros da que está nas canções". Músicos geniais, como Mozart, depois de admitir sua falta de vocação para a escrita, encontraram uma maneira de incorporá-la às próprias composições musicais. Escreveu, com toda a franqueza, em uma carta: "Não consigo escrever poesia: não sou poeta. Não consigo dispor as palavras com tal arte que elas reflitam as sombras e a luz: não sou pintor... Mas consigo fazer tudo isso com a música".

          Mesmos os prosadores mais racionais nunca se cansam de acentuar as relações secretas entre a melodia e a escrita. "Os capítulos são como compassos de uma partitura musical", diz, por exemplo, Milan Kundera em uma entrevista, falando de seus romances. "Há partes em que os compassos (capítulos) são longos, outras em que são breves outras ainda em que têm uma duração irregular". Esses vínculos profundos podem ser sintetizados com as palavras sábias de Clarice Lispector: "Acho que o sim da música é imprescindível para o ser humano e que o uso da palavra falada e escrita é como a música, duas coisas das mais altas que nos elevam do reino dos macacos, do reino animal".

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- Gazeta do Povo, 30/01/2000 - Valêncio Xavier
- Gazeta do Povo, 23/07/2006 - Irinêo Netto

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