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Direto da fonte

 

Ano 82       30 de Janeiro de 2000         nº 25.688

 

                           

 

O porquê da literatura

 

por Valêncio Xavier

Numa extraordinária obra, escritores revelam pela primeira vez alguns segredos de suas obras

Por que motivo alguém se debruça sobre uma folha de papel em branco, ou um teclado de máquina de escrever ou de computador para escrever um texto? Por que algumas pessoas usam seu tempo para pôr no papel o que está em sua cabeça, poesias, contos ou um romance, que talvez nunca venham a ser editados?. Em busca de respostas para esta pergunta, aparentemente simples, mas na verdade extremamente complexa, o livro Por que escrevo? consultou vários homens de letras famosos. E foi publicado pela Escrituras Editora, graças a verba do prêmio incentivo que o autor, José Domingos de Brito, recebeu da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo.

       Este livro que há muito tempo se fazia necessário, Por que escrevo?, reúne respostas de 96 escritores, dramaturgos, roteiristas e cineastas, brasileiros e estrangeiros, do presente e do passado. Entre eles estão Sidney Sheldom, Dias Gomes, José Saramago, Márcio Souza, Jean-Paul Sartre, Wally Salomão, Carlos Fuentes, Hilda Hilst, Manoel de Barros, Paul Auster, Marilene Felinto, Umberto Eco, Jorge Amado, Frederico Garcia Lorca, Glauber Rocha, Italo Calvino, João Cabral de Melo Neto, Don Delillo, Bernardo Ajzenberg, Rachel de Queiroz, Isabel Allende, Érico Veríssimo, Samuel Beckett, Darcy Ribeiro, Alberto Moravia, Fernando Sabino e Augusto Roa-Bastos.

       Alguns dão respostas curtas como William Faulkner: "Para ganhar a vida"; ou Ignácio de Loyola Brandão: "Escrevo para me divertir e divertir os outros", ou ainda Graham Greene: "Por necessidade. Quando tenho um furúnculo e ele está maduro, eu o aperto".

       Já alguns dão longas respostas como Truman Capote, João Ubaldo Ribeiro, Allain Robbe-Grillet, Antonio Callado, Jorge Luis Borges, Mario de Andrade, Norman Mailer e Augusto dos Anjos, cuja resposta é um longo poema. Cada autor está em uma página que traz sua resposta e uma mini-biografia.

O autor também responde

       Pessoa modesta, parecendo não se dar muita importância ao seu trabalho na organização desse extraordinário livro que é Por que escrevo?, José Domingos de Brito conversa com o Caderno G.

- Por que o senhor escreveu esse livro?

Eu não escrevi, não sou da área literária. Sou bibliotecário. Eu organizei as respostas. Coleciono entrevistas com escritores há mais de 20 anos. E vi que essa pergunta era feita com muita frequência pelos jornalistas. Então resolvi juntar as respostas, inclusive as que encontrei num livro francês editado pelo jornal Libération, de Paris, que reúne mais de 400 respostas. Fiquei com uma enorme coleção de respostas. Escolhi os melhores autores e editei o livro.

- E o segundo volume. Como escrevo?

Esta pergunta é na sequência natural da primeira. Enquanto eu recolhia respostas para a primeira, percebi que procurar saber como o escritor escreve também é uma pergunta recorrente. Então comecei a fazer a segunda coleção de respostas. É a matéria do segundo volume que está praticamente pronto. Mais uns três meses, ele será lançado.

- Estes livros na verdade dão dicas de como escrever?

A intenção não é essa. Mas indiretamente ele vai atender a essa necessidade. Eu me lembro que no lançamento preliminar do primeiro livro, Por que escrevo?, na Bienal do Livro, no Rio, apareceu uma adolescente de 17 anos e perguntou se o livro ensinaria a escrever. Eu respondi que a intenção não era essa, era a de coletar as respostas de um grande número de escritores famosos. Mas vendo tantas respostas, ela teria um estímulo para escrever também. Indiretamente atende a essa necessidade. A finalidade minha é especular um pouco sobre os mistérios da criação literária. Quando o livro bater no público, vai ter mil e uma utilidades, tipo Bom Bril. (risos)

- Quantos volumes serão?

Sete. O terceiro será "Orientações literárias", uma reunião de dicas e informações que os escritores dão a quem quer escrever - e é uma pergunta muito frequente ao escritor. O quarto são as relações do jornalismo com a literatura. O quinto é a mesma coisa com o cinema. O sexto é literatura e sociedade ou política. O sétimo seria religião e religiosidade. Todos com as respostas específicas que estou coletando. (VX)

  Os escritores se revelam

Aqui estão algumas respostas contidas em Por que escrevo? Pode ver o leitor que pelo que está dito nelas podemos melhor entender a personalidade do escritor que respodeu à pergunta.

Carlos Drummond de Andrade

"Posso dizer sem exagêro, sem fazer fita, que não sou propriamente um escritor. Sou uma pessoa que gosta de escrever, que conseguiu talvez exprimir algumas de suas inquietações, seus problemas íntimos, que os projetou no papel fazendo uma espécie de psicanálise dos pobres, sem divã, sem nada. Mesmo porque não havia analista, no meu tempo em Minas"

José Saramago

"Antes eu dizia: 'Escrevo porque não quero morrer'. Mas agora eu sei. Escrevo para compreender. O que é um ser humano?".

Marguerite Duras

"Tenho sido importunada pelas perguntas dos jornais sobre esse ponto preciso: escrever. Eu tentei responder educadamente, mas de fato eu não tenho nada a dizer a respeito. Eu não sei, nunca soube, o que é essa estranha atividade. Creio que isso vai acabar em 2027. Pronto: de repente, ninguém escreverá mais".

Paulo Coelho

"Era meu sonho desde criança. Eu sabia que minha lenda pessoal, para usar esse termo de alquimia, era escrever. Mas só ousei publicar meu primeiro livro aos 38 anos. É muito fácil acalentar um sonho, o difícil é realizá-lo. No meu caso, eu já escreveia letras de músicas e conhecia pessoas do meio, mas tinha medo de enfrentar meu próprio sonho. Chegou um momento, após percorrer o caminho de Santiago, em que eu disse: 'Agora eu enfrento a minha realidade'. E foi o que eu fiz, quando escrevi Diário de um mago"

Marilene Felinto

"Escritores são pessoas que num determinado momento da vida sofreram algum tipo de trauma que as levou a ter essa compulsão pela literatura, pela criação de um mundo paralelo ao mundo real. Preferia não ter que escrever, mas é como se eu não tivesse direito a essa opção. Escrever é um atrapalho. Escritores são pessoas doentes".

Octavio Paz

"Os poetas dizem a verdade quando dizem que, ao começar a escrever um poema, não sabem o que vão dizer. Escrevemos para dizer o não dito, e para conhecê-lo".

Mario Benedetti

"Sim. Tem sentido escrever, sempre que você não engane a si mesmo, o que me parece requisito indispensável para não enganar os demais".

Paulo Francis

"Escrevo romances para me perpetuar, para ter fama, glória, dinheiro, amor, essas coisas comezinhas da vida". (VX)

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Valêncio Xavier Niculitcheff

Nasceu em São Paulo, em 1933. Escritor, jornalista, consultor de imagem em cinema, roteirista e diretor de TV. Em 1954 parte de mala e cuia para Curitiba, onde viveu na boa companhia de ilustres amigos, tais como Dalton Trevisan, Wilson Martins e Decio Pignatari. Como cineasta, recebeu diversos prêmios nacionais e internacionais. Além de artigos e narrativas em jornais e revistas, publicou os seguintes livros: Desembrulhando as balas Zequinha (1973), O mez da grippe (1981), Maciste no inferno (1983), O minotauro (1985), O mistério da prostituta japonesa & Mimi-Nashi-Oichi (1986), A propósito de figurinhas (1986) em parceria com Poty, Poty, trilhas e traços (1994), Meu 7º dia (1998) e Minha mãe morrendo e o menino mentido (2001), uma espécie de álbum montado por um homem que, na sua velhice, continua impressionado com coisas que lhe aconteceram na infância. Dirigiu uma série de programas para a TV Educativa do Paraná intitulada Histórias da vida real, um sucesso da TV em anos passados. Seu último livro publicado foi Crimes à moda antiga (2004), no qual reconta oito crimes à moda mais que atual. Faleceu em 05/12/2008.

Meu amigo Valêncio

Logo em princípios do ano 2000, num domingo pela manhã, ligou para minha casa querendo uma entrevista, sobre o livro Por que escrevo?, para a Gazeta do Povo. Eu ainda não tinha tomado café, e disse-lhe que retornaria a ligação em meia hora. Ele disse:

- Não, pode tomar café tranquilo, que eu te ligo daqui a uma hora.

E assim se deu a entrevista, no meio de uma conversa agradável por quase uma hora. Ficamos amigos e de vez em quando eu telefonava para ele. Ficamos de conseguir um lançamento do livro em Curitiba e ele aproveitou para me convidar à visitar a cidade. Disse-me que aos sábados, junto com os amigos escritores, constumavam fazer uma bela feijoada, e que nestas ocasiões era proibido falar de literatura. Adiantou que eu poderia ficar em sua casa; que lá havia uma édícula, onde Décio Pignatari se hospedava quando o visitava.

- Olha, não é o conforto de um hotel 5 estrelas, mas dá para você  ficar lá.

Brincando, eu respondi:

- Ô Valêncio, se o Décio Pignatari se hospeda aí, creio que eu também vou me dar muito bem.

É o convite de uma pessoa que nunca vi pessoalmente, o que dá uma medida do despreendimento e da personalidade de Valênco Xavier. Mas, infelizmente não houve tempo para essa visita. Nos falamos mais algumas vezes até pouco tempo antes de sermos impedidos pela doença.

 

 

- Gazeta do Povo, 23/07/2006 - Irinêo Netto
- Gazeta do Povo, 29/07/2008 - Marcio R. Santos

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