A Seleção
Carlos Drummond de Andrade
Vai Rildo, não Amarildo?
Vão Pelé e, que bom Mané,
O menino gaúcho Alcino
e nosso veterano Dino,
Altair, rima de Odair,
ecoando na ponta: Ivair,
e na quadra do gol: Valdir.
Fábio, o que não poder faltar,
e também não pode Gilmar.
como, entre os santos dos santos,
o patriarca Djalma Santos,
sem esquecer o Djalma Dias
e entre mil e uma noites, Dias.
Mas se a Comissão não se zanga,
quero ver, em Everton, Manga.
É canhoto, e daí? Fefeu,
quando chuta, nunca perdeu.
A chance que lhe foi roubada,
desta vez a tenha Parada.
Paraná, invicto guerreiro
para guerrear como aqui, lá.
Olhando pro chão, Jairzinho
e como joga legalzinho.
Não abro mão de Nado e Zito,
nem fique o Brito por não-dito.
Ditão, é claro, por que não?
E o mineiríssimo Tostão,
O grande Silva, corintiana
glória e mais o áspero Fontana,
Dudu, Edu... e vou juntando
bons nomes ao nome de Orlando,
para chegar até Bellini
em cujas mãos ataca tine.
Célio, Servílio: suaves eles
já completados por Fidelis.
Edson, Denílson, Murilo,
cada um com seu próprio estilo.
Um lugar para Paulo Henrique
enquanto digo a Flávio: fique!
Com Paulo Borges bem na ponta
Eu conto, e sei que você conta.
Na lateral, Carlos Alberto
estou certo que vai dar certo.
Acham tampinha Ubirajara?
Valor na se mede por vara.
Até parece de encomenda:
Leônidas, nome que é legenda.
E se Gérson do Botafogo
Entra em campo, ganha jogo.
Não podia esquecer o Lima
e o seu chute de muita estima.
Com tudo isso e mais Rinaldo
e o canarinho de Ziraldo,
quarenta e seis, se conto bem
- um time igual eu nunca vi
em Europa, França e Belém -
que barbada seria o Tri,
hein.
O Gol
Ferreira Gullar
A esfera desce
do espaço
veloz
ele a apara
no peito
e a pára
no ar
depois
com o joelho
a dispõe a meia altura
onde
iluminada
a esfera
espera
o chute que
num relâmpago
a dispara
na direção
do nosso
coração.
O anjo de pernas tortas
Vinicius de Moraes
A um passe de Didi, Garrincha avança
Colado o couro aos pés, o olhar atento
Dribla um, dribla dois, depois descansa
Como a medir o lance do momento.
Vem-lhe o pressentimento; ele se lança
Mais rápido que o próprio pensamento,
Dribla mais um, mais dois; a bola trança
Feliz, entre seus pés – um pé de vento!
Num só transporte, a multidão contrita
Em ato de morte se levanta e grita
Seu uníssono canto de esperança.
Garrincha, o anjo, escuta e atende: Gooooool!
É pura imagem: um G que chuta um O
Dentro da meta, um L. É pura dança!
O futebol brasileiro evocado da Europa
João Cabral de Melo Neto
A bola não é a inimiga
como o touro, numa corrida;
e, embora seja um utensílio
caseiro e que se usa sem risco,
não é o utensílio impessoal,
sempre manso, de gesto usual:
é um utensílio semivivo,
de reações próprias como bicho
e que, como bicho, é mister
(mais que bicho, como mulher)
usar com malícia e atenção
dando aos pés astúcias de mão.
Ademir Meneses
Você, como outros recifenses,
nascido onde mangues e o frevo,
soube mais que nenhum passar
de um para o outro, sem tropeço.
Recifense e, assim, dividido
entre dois climas diferentes,
ambidestro do seco e do úmido
como em geral os recifenses,
como você, ninguém passou
de dentro de um para o outro ritmo
nem soube emergir, punhal, do lento:
secar-se dele, vivo, arisco
O torcedor do América F. C.
O desábito de vencer
não cria o calo da vitória;
não dá à vitória o fio cego
nem lhe cansa as molas nervosas.
Guarda-a sem mofo: coisa fresca,
pele sensível, núbil, nova,
ácida à língua qual cajá,
salto do sol no Cais da Aurora.
Ademir da Guia
Ademir impõe com seu jogo
o ritmo do chumbo (e o peso),
da lesma, da câmara lenta,
do homem dentro do pesadelo.
Ritmo líquido se infiltrando
no adversário, grosso, de dentro,
impondo-lhe o que ele deseja,
mandando nele, apodrecendo-o
Ritmo morno, de andar na areia,
de água doente de alagados,
entorpecendo e então atando
o mais irrequieto adversário.
um jogador brasileiro a um técnico espanhol
Não é a bola alguma carta
que se leva de casa em casa:
é antes telegrama que vai
de onde o atiram ao onde cai.
Parado, o brasileiro a faz
ir onde há-de, sem leva e traz;
com aritméticas de circo
ele a faz ir onde é preciso;
em telegrama, que é sem tempo
ele a faz ir ao mais extremo.
Não corre: ele sabe que a bola,
Telegrama, mais que corre voa.
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